CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA

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sábado, 16 de julho de 2016

ESPELHO DOS SONHOS

ESPELHO DOS SONHOS



Eu tinha uma certa repulsa por espelhos. Não conseguia passar muito tempo olhando diretamente, tampouco ficar em um ambiente que tivesse um. Todos os dias eu me perguntava como minha irmã e mamãe conseguiam passar minutos na frente de um espelho enquanto se arrumavam.
Nem mesmo eu conseguia pentear meus cabelos olhando para um espelho. Dizem que cada pessoa nasce com um medo que o seguirá para o resto de sua vida. Uns tem medo de aranha, outros de cobra. Uns tem medo de escuro, outros de altura. Uns tem medo de lugares apertados, outros de multidão. Mas eu... Eu tinha medo de espelhos. Não importava o tamanho ou o seu formado, espelhos sempre foram o meu maior precipício ao horror.


O maior problema -que eu sempre ficava pensando e me perguntando o porque- é que eu nunca tive muito medo das coisas. Por exemplo, histórias de terror nunca me deram medo. Eu nunca tive medo de escuro, ou de lugares apertados, tampouco medo de espíritos como a maioria das pessoas. Certa vez, me submeti a fazer a tal "brincadeira do copo" onde, segundo meus cinco amigos, seria um jogo perigoso onde invocaríamos espíritos para "conversar" com eles.
-Precisamos de seis pessoas e com você estaremos em seis. Você aceita jogar?
-Que seja. Vamos nessa!
É claro que eu nunca acreditei muito nisso, até Lucas -no final do jogo- tentar quebrar a droga do copo jogando-o contra a parede: nem mesmo um arranhão no copo de vidro.



Durante a brincadeira, Camila, um espírito que havia ficado preso neste plano, passou a conversar conosco.



Nós perguntávamos coisas como: Você está aqui? Como é o seu nome? E coisas desse tipo.
Não havia muito pavor em meus olhos mas é claro que eu fiquei assustado: ninguém acreditava que realmente estivesse dando certo até a gente decidir retirar o dedo de cima do copo. A cada pergunta o copo se mexia de maneira brusca e violenta, mas é claro que Murilo, o nosso amigo musculoso e todo machão, resolveu sentir-se um tanto quanto irritado por estar sentindo medo daquilo.
Murilo era o tipo de cara que queria se passar por machão dizendo que não sentia medo de nada e sempre que se sentia ameaçado resolvia tudo na base da porrada. Mas ele era um bom amigo e um cara inteligente assim como dedicado aos seus deveres na faculdade de arquitetura.

Bom, o tempo foi passando e a brincadeira se tornava cada vez mais intensa. Murilo por sua vez resolveu começar a xingar em voz alta dizendo que aquilo era mentira. Ele ficou exaltado por mais ou menos uma hora até as luzes começarem a piscar e uma delas estourar. A luz que estourou ficava acima de sua cabeça no lugar onde ele estava sentado.
Pelo menos a mesa redonda de madeira rústica não tremeu como nos filmes.
Eis que então o copo fora arremessado por Lucas contra a parede sem se quer ter um arranhão.
Voltamos então todos para casa e foi aí que eu comecei a viver o meu maior medo:



Minha irmã passou a reclamar de dor no ombro. Por longas semanas ela se submeteu a vários exames médicos mas nenhum deles indicavam uma causa aparente. Ela tomou remédios para diminuir a dor mesmo que os médicos não soubessem o que estava causando aquelas dores.
De repente no meio de uma noite de sexta-feira enquanto minha irmã se arrumava para sair com suas amigas, ela gritou estérica ao notar uma mancha esverdeada em seu ombro. Eram quatro manchas verdes alinhadas e uma em baixo das quatro, como se o seu namorado tivesse segurado ela tão forte ao ponto de deixar hematomas.
Papai o chamou para conversar onde ele perguntou diversas vezes para o rapaz assustado se ele havia agredido sua filha. Papai confiava no namorado de minha irmã, eles estavam juntos há cinco anos e nunca havia tido indícios de agressão. E é claro que ela alegava que ele não havia feito nada.
Por sua vez papai decidiu que a mancha viera por causa de suas dores e então passou a procurar mais e mais médicos para descobrir oque havia acontecido. Conforme dos dias passavam as manchas apareciam ainda mais, mesmo que minha irmã não estivesse mais vendo seu namorado há alguns dias.

Quase quatro meses depois minha irmã passou  a ter comportamentos estranhos: ela se isolou dos amigos e de sua família. Passou a ficar a maior parte do tempo em seu quarto. Ela cobriu todos os espelhos da casa e fechava todas as cortinas dizendo que o sol queimava sua pele como brasa de charuto aceso.
No dia vinte e cinco de março quando meus pais viajaram para marcar consulta com um médico fora do país, minha irmã e eu ficamos sozinhos em casa e foi aí que ela passou a quase todas as noites pedir a minha companhia.
-Tem uma garota! Tem uma garota aqui! Por favor, mande ela embora! MANDE ELA EMBORA! -Dizia ela implorando desesperada.



Seus olhos arregalados incitavam a verdade, a sinceridade.
Nossa casa passou então a ter um ar gélido como se estivéssemos vivendo um filme de horror americano. Foi aí então que minha irmã passou a dar uma série de golpes contra o espelho do quarto dela, passando para os outros espelhos que haviam em casa. Nenhum deles havia quebrado.
-O que está acontecendo, irmã?
-Ela fica sussurrando... Fica me dizendo que minha maquiagem está horrível e que ele deveria me deixar...
-Ele?
-O Pedro...
-Mas porque ela falaria do Pedro? Não faria sentido irmã.
-PORQUE SEU NOME É CAMILA! -Respondeu minha irmã com uma voz rouca diabólica.



Meus pais chegaram uma semana depois. Três dias depois minha irmã foi diagnosticada com tuberculose e faleceu um mês depois de iniciar os tratamentos. Segundo os médicos a doença se agravou em poucos dias.
Algum tempo depois Pedro veio até a mim e relatou que ele havia sonhado com Camila pouco tempo antes da morte de minha querida irmã. Mostrou-me então sua perna toda arranhada e com hematomas.

Seja lá o que nós tínhamos feito no jogo do copo, aquela merda deu certo: Pedro faleceu dias depois. Um ano depois meus pais morreram em um acidente de carro.
Senti-me perturbado e sozinho, como se o mundo fosse um lugar horrível e então cometi suicídio.

Se você está lendo esta carta, peço para que cubram seus espelhos e que evitem os copos.



Dias antes que eu cometesse suicídio, eu descobri uma documentação hospitalar em uma das gavetas do guarda-roupa de minha mãe. A documentação relatava o falecimento de Camila aos seus dois anos de idade.
Camila seria minha irmã mais nova se não tivesse falecido ainda bebê. Notei então que se ela estivesse viva, ela trairia minha irmã tendo um relacionamento com Pedro.

Dizem que isso tudo é loucura, mas loucura é não evitar os espelhos e os copos.


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Autor: Joey Spooky Rose