CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA

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domingo, 17 de março de 2019

A inocência de um olhar

A inocência de um olhar



1


Esquece... Eu só podia estar ficando louco. Afinal, aquilo já fazia muito tempo. Além do mais, aquilo era impossível de acontecer. Quero dizer… Isso nem existe!
O que diriam todos se soubessem disso?
Ah, meu deus! Os meus amigos… A minha família…
Eu sentia que aquilo ainda estava me olhando. Eu podia sentir minha nuca arrepiar.
Sim... Ela estava ali... Em algum lugar.


Era noite de sexta-feira, aproximadamente nove horas da noite quando aquilo aconteceu. Não seria uma surpresa aquele monte de gente fazendo perguntas e a notícia se espalhando. As pessoas gostam de notícias ruins. Todas elas, amarguradas pela própria infelicidade, procurando em cada beco escuro e sujo, um motivo para dizer que são felizes. Eram todas elas ratos de esgoto, os intelectuais metidos a jornalistas, os grandes pensadores de merda nenhuma. Mas ela… Ela ainda era jovem… Tão jovem… Meu deus… O que foi que eu fiz?!
A chuva pairava sem piedade e os raios abriam feixes de luz que iluminavam brevemente o que, naquele momento, eu cegamente queria acreditar não ser o que realmente era. O airbag acionado agora murchando aos poucos e uma dor forte em meu rosto que escorria um pouco de sangue de meu nariz. Embora já fosse um pouco tarde e a chuva caísse, ainda atordoado tentando saindo do carro sem cair, notei as janelas das casas acendendo e algumas pessoas se aproximando.
-Você está bem? Você está…
-Estou bem, estou bem… O que… O que aconteceu? -Perguntei.
Mas estava bem claro o que havia acontecido. Minha cabeça doía e uma multidão se aglomerava por perto. Eu conseguia ouvir as vozes em uma confusão de perguntas e ainda um pouco zonzo, eu tentava observar as pessoas. Mas a única coisa que vi fora o corpo de uma jovem criança entre o poste de luz e o meu carro que estava arrebentado. Os cacos de vidro do para-brisa, agora estilhaçado, refletiam a luz do poste que piscava sem hesitar. O sangue escorria junto à água da sarjeta e em meio às vozes das pessoas curiosas ali presentes, eu podia ouvir o gemido do que seria os últimos segundos de vida daquela menina. Mã...Mamãe…
Olhos azuis como o céu de uma manhã de primavera se fecharam para nunca mais ao sol brilhar. Como um gato vira-latas em um passo eu pulei em direção à criança e caindo de joelhos na poça de água e sangue eu a peguei no colo. Sua pele clara estava gelada e a chuva parecia aumentar cada vez mais. Meu coração disparado e meus olhos cheios de lágrimas sentiam aquele corpo já sem vida como se várias imagens sobre a infância daquela menina surgissem em minha cabeça.
Ao longe, o som das sirenes das viaturas que percorriam rapidamente pelas ruas na esperança de salvar a jovem garota. Mas ela estava morta. Nem mesmo deus a traria de volta. Não havia o que fazer senão ouvir o grito da mãe desesperada sendo segurada pelo marido que a impedia de chegar perto da cena. Tudo aquilo era um pesadelo sem fim.
De repente uma calmaria. As vozes silenciaram e somente o som da chuva cantava naquela orquestra teatral dramática.
Uma velha senhora de pele flácida e cinzenta abraçou o corpo da jovem menina. Ela encarou-me e com o dedo indicador sobre a boca, como um gesto de silêncio, ela carregou o delicado e pequeno corpo em seus braços magricelas. Em seguida então ela sorriu com seus dentes podres. A gengiva parecia que havia se afastado dos dentes, como a de um corpo morto há algumas horas. O sorriso diabólico parecia zombeteiro.
Logo a criança abriu os olhos e com muito sangue escorrendo deles, ela também sorriu. Os dentes encharcados de sangue, rindo do que não tinha nenhuma graça.
Sentindo minha cabeça rodopiar cada vez mais, fui tomado por uma escuridão avassaladora sem fim.

Meus olhos se fecharam. Como o tempo daquela noite.

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Escrito por: Joey Spooky Rose